Como o materialimo histórico e dialético nos permite pensar a crise?

Como o materialimo histórico e dialético nos permite pensar a crise?

O método utilizado neste trabalho é o materialismo histórico e dialético, originado nas formulações de Marx e Engels e que foi sendo enriquecido através dos últimos dois séculos pelo aporte de autores de todas as partes do mundo.

Quando pensamos nas causas de um fenômeno, sempre se mostra pertinente a distinção do historiador grego Tucídides, ao expor as razões que levaram à Guerra do Peloponeso, entre alethestate prophasis e aitia. O primeiro vocábulo, que este toma da medicina e utiliza como “causa mais verdadeira” (explicação mais verídica na tradução consultada), distingui-se do segundo, utilizado no sentido de razão alegada, antecedentes:

As razões [aitia] pelas quais eles a romperam [a guerra do Peloponeso] e os fundamentos de sua disputa eu exporei primeiro […] A explicação mais verídica [alethestate prophasis], apesar de menos frequentemente alegada, é, em minha opinião, que os atenienses estavam tornando-se muito poderosos e isso inquietava os lacedônios, compelindo-os a recorrerem à guerra. (TUCÍDIDES, 1987, I, 23)

Neste entendimento, a explicação mais verídica é a que se ocupa também das “causas das causas” e estabelece as relações entre as orgânicas e as imediatas. A preocupação de Tucídides se coaduna com a famosa formulação de Marx, no Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política de que

[…] na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral (MARX, 2008, p. 47).

Isso não significa de forma alguma aderir a explicações baseadas em relações causais unilaterais, na utilização de categorias a priori ou na hierarquia de fundamentalidades, males que são erroneamente atribuídos ao marxismo, mas que na verdade permeiam a ciência burguesa. Como faz questão de esclarecer Engels em sua carta a Bloch:

De acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante final na história é a produção e reprodução da vida real. Mais do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém distorce isto afirmando que o fator econômico é o único determinante, ele transforma esta proposição em algo abstrato, sem sentido e em uma frase vazia (ENGELS, 2010C, p. 33).

O movimento de Marx e Engels na direção das causas mais fundamentais, que no caso da análise da sociedade humana, encontram-se na esfera econômica, não pode ser visto como reducionista, é sempre no sentido de enriquecer e complexificar a análise, conformada por uma intricada teia de múltiplas sobredeterminações que se sintetizam no mundo material.

Entretanto, a ciência moderna em geral, imbuída do espírito do reducionismo, normalmente se satisfaz com as causas mais imediatas, seguindo o raciocínio de Francis Bacon quando este constatou que para “a lei, as causas imediatas e não as remotas de um evento devem ser consideradas1”, pois “Seria infinito para a lei considerar as causas das causas e seus impulsos recíprocos; portanto, contentar-se com a causa imediata e julgar os atos a partir disso, sem considerar nenhum grau além” (BACON, 1803, p. 16).

O método dialético, pelo contrário, concebe que todas as coisas estão relacionadas, o restante do mundo, o exterior, estará sempre materialmente interpenetrado com o que consideramos o interior de um dado problema, afinal,

As ferramentas filosóficas propiciadas pela dialética abstraem as propriedades gerais de sistemas dinâmicos complexos. Elas, assim, nos permitem ver quais abordagens são compatíveis ou conflituosas e nos ajudam a perguntar as questões críticas sobre os sistemas: Onde está o restante do mundo? Como as coisas se tornaram dessa forma? O que podemos fazer sobre isso? (LEVINS, 2006)

Posto isto, e regressando ao nosso tema, a importância das relações sociais de produção, a base material de toda a sociedade humana, não pode ser subestimada para se explicar como paradigmas superados se mantêm dominantes na comunidade científica mesmo após a prática tê-los refutado reiteradamente. Há que se buscar uma explicação além do mero movimento das ideias. Esse movimento, ensaiado por Thomas Khun, que não o levou às últimas consequências, está na base da sociologia da ciência que não se contenta com as explicações internalistas para explicar a evolução do pensamento científico e entende que as concepções que os próprios cientistas têm sobre sua prática deve ser cotejada com todo o restante que ocorre no mundo onde os cientistas exercem sua atividade.

Na análise do momento presente, de agravamento da crise do capital, torna-se essencial pensar a dinâmica da produção científica dentro do quadro das relações capitalistas dominantes na formação social contemporânea. Por isso, o método seguido por este trabalho é o materialismo histórico e dialético de Karl Marx e Friedrich Engels, que nos legaram categorias rigorosamente definidas como capital, máquina, processo de produção de valor, composição orgânica, crise do capital, entre outras que serão trabalhadas nesta dissertação.

1In Jure Non Remota Causa Sed Proxima Spectatur, no original em latim.