Em 2011, o prestigioso Journal of Personality and Social Psychology, da Associação Americana de Psicologia, publicou um artigo com o curioso título Sentindo o futuro: evidência experimental de influências anômalas retroativas sobre a cognição e o afeto. O artigo, publicado após revisão pelos pares, trata sobre o psi, um suposto “processo anômalo de transferência de informação e energia que não pode ser explicado pelos mecanismos físicos ou biológicos conhecidos” (BEM, 2011).

O autor Daryl Bem relata nove experimentos nos quais eram pedidos que os participantes adivinhassem qual das duas cortinas exibidas na tela de um computador esconderia uma imagem e qual apenas cobriria um muro. Somente após o processo de escolha, o computador aleatoriamente posicionava uma imagem (que provinha de um desses três conjuntos: neutras, eróticas e negativas) atrás de uma das cortinas e, finalmente, exibia o que estava por trás das cortinas. Se a imagem estivesse atrás da escolhida pelo participante, o resultado era considerado um acerto.

Para um número cada vez maior de realizações do teste, espera-se que as porcentagens de erros e acertos convergissem para 50 por cento cada. Afinal, trata-se de um chute entre duas possibilidades. O resultado final não foi longe disso, após 100 sessões, nas quais reportaram haver realizado 3.600 testes, os pesquisadores relatavam 53% de acerto para as imagens eróticas e negativas, contra 49.8% de acertos para as imagens neutras.

Apoiando-se no critério técnico de significância estatística, Bem concluiu estar diante de indícios concretos de que as pessoas podem sentir fenômenos que ainda não aconteceram, o que viola completamente o conceito de causalidade.

Não alheios à polêmica que o artigo poderia provocar, afinal, trata-se de uma defesa da parapsicologia no interior de uma publicação de psicologia, os editores o publicaram conjuntamente com uma nota na qual reconhecem que

a afirmação presente no estudo, de que as respostas dos participantes eram influenciadas por estímulos gerados aleatoriamente após as respostas representa um desafio muito sério à visão tradicional de causalidade. Não é necessário dizer que tal desafio a convicções tão firmemente mantidas tem como destino inflamar uma grande controvérsia. (JUDD, 2011)

Em sua nota, os editorialistas minimizam sua importância como avaliadores: “podemos apenas tomar a palavra do autor de que seus dados são genuínos e que as descobertas relatadas não advém de um grande conjunto de estudos não publicados que mostram efeitos nulos” (JUDD, 2011).

Fica a pergunta se a intenção dos editorialistas, ao aceitarem o artigo, era apenas “inflamar uma grande controvérsia”, até porque, além desta nota editorial, foi publicada na mesma edição da revista uma refutação certeira da descoberta de Bem. Trata-se do comentário de Wagenmakers, que poderia ter sido melhor aproveitado como argumentação de um parecer negando a publicação do artigo, já que demonstra cabalmente que esses estranhos resultados obtidos advém de flutuações estatísticas interpretadas erroneamente:

Discutimos graves limitações nos experimentos de Bem sobre o psi. […] Reanalisamos os dados de Bem com um teste t padrão bayesiano e mostramos que a evidência para psi é de fraca para não existente.[…] Concluímos que o valores-p de Bem não representam uma evidência favorável à precognição, ao invés disso, indicam que os psicólogos experimentais precisam mudar a maneira com a qual conduzem os experimentos e analisam seus dados. (WAGENMAKERS, 2011)

Wagenmakers identificou um erro cometido por Bem que é extremamente comum entre os pesquisadores que utilizam equivocadamente o critério de significância estatística para validar suas descobertas. Esse problema, que remonta às grandes desavenças entre os fundadores do método estatístico no início do século XX, vem sendo percebido, há algumas décadas, como algo sério e generalizado na produção científica, sem uma resolução e cujos efeitos ainda são muito subestimados.

A experiência empírica comprova que a utilização mais criteriosa das ferramentas estatísticas pode apenas amenizar problemas reais, que teimam em se afirmar com maior frequência e consequências do que o comumente assumido pelos pesquisadores. Por mais importante e urgente que seja, um aprimoramento das técnicas matemáticas não é suficiente para resolver impasses que tem a ver com a subjetividade geral da sociedade, como é o caso do viés de publicação, causado pela tendência de se engavetar estudos com resultados negativos, enquanto que há mais holofotes e interesse em se publicar os resultados positivos, viciando as amostras.

No caso de Bem, fica claro seu pertencimento a uma visão de mundo que tão facilmente lhe autoriza, diante da obtenção de um dado valor-p em seu experimento, a lançar por terra todas as leis da física e da lógica. Pode-se considerar aqui a relevância da crítica feita ao misticismo de Newton por Marx em seus Manuscritos Matemáticos. A matemática, como ciência das medidas e grandezas, se senta sobre elementos objetivos. A tentativa de usá-la para explicar movimentos orgânicos e subjetivos conduz a matemática ao misticismo; é como atribuir-lhe um papel quase demiurgo, a exemplo da concepção de que as aplicações matemáticas poderiam resolver problemas de caráter social ou a essência das relações sociais (MARX, 1983).